* Valdir de Paulo Furtado
Câncer é um nome genérico para mais de uma centena de doenças que podem se originar em, praticamente, todos os tecidos do organismo. O fenômeno inicial é, provavelmente, a mutação de um gene que leva à multiplicação desordenada das células e que têm, em cada tecido, características próprias de apresentação, evolução e resposta a agentes terapêuticos. Daí já se pode concluir que não existe um tratamento único, mas uma enorme quantidade de recursos terapêuticos, muitos com atividade específica.
Nos tumores sólidos, as células podem se desprender do tumor original e pela circulação sanguínea e linfática, atingir outros órgãos, gerando o que se chama de metástase, o que agrava a situação. A Oncologia tem evoluído muito, com o aperfeiçoamento das técnicas de cirurgia dos tumores malignos e metástases, o melhor conhecimento da biologia dos tumores, o progresso da quimioterapia com a introdução de medicamentos mais eficientes e com menos efeitos colaterais, o aperfeiçoamento técnico da radioterapia, o despontar da imunoterapia, a evolução da enfermagem oncológica e dos cuidados paliativos, isso só para citar os avanços recentes mais importantes dessa ciência médica.
A cura para algumas dessas doenças é possível e transformação de muitas delas em doenças crônicas, tratáveis e potencialmente curáveis, já se vislumbra. O tratamento, atualmente, ainda se concentra na tentativa de retirar o tumor ou de destruir as células malignas. A tentativa de destruição das células malignas com quimio e radioterapia lesa também células e tecidos normais, uma vez que o objetivo é destruir células em fase de multiplicação, o que vem a ser um dos grandes obstáculos aos bons resultados do tratamento.
Com a evolução do conhecimento, a tentativa é bloquear ou impedir o mecanismo que leva à mutação que dispara a doença. Nos últimos 20 anos, tem sido desenvolvida essa nova forma de quimioterapia: a chamada terapia-alvo. Nela, se faz uso de drogas que agem diretamente nas células malignas, poupando as normais que não apresentam a mesma aberração molecular, estrutural e/ou funcional. É importante frisar que o advento dessas novas drogas não abole a quimioterapia convencional. Muitos esquemas terapêuticos atuais, que têm trazido bons resultados, associam drogas-alvo e quimioterápicos já em uso há vários anos. As chamadas drogas-alvo, a maioria anticorpos monoclonais, agem por diferentes mecanismos. São eles:
1. Inibição da angiogênese: inibição da formação de novos vasos sanguíneos, que pode ocorrer em muitos tumores;
2. Modulação da expressão gênica: inativando ou inibindo o gene anômalo responsável pela mutação celular;
3. Inibição da resposta das células tumorais a fatores de crescimento;
4. Morte celular: mecanismos de destruição direta das células tumorais.
Outras formas de terapia-alvo são:
1. Hormonioterapia: as células normais em muitos tecidos obedecem a controle hormonal e as células tumorais podem conservar essa propriedade. Embora seja uma forma já bem estabelecida e não tão recente, é útil no tratamento de tumores em que o agente terapêutico bloqueia a resposta das células tumorais a hormônios.
2. Imunoterapia: também as pesquisas nessa área já não são tão recentes. Visam estimular as células normais de defesa do organismo, principalmente linfócitos, para destruir as células anormais. Esse estímulo pode ser obtido por meio de anticorpos monoclonais ou de um fator chamado interferon, que é produzido por células envolvidas na imunidade (linfócitos e histiócitos) e tem a capacidade de ativar a função antitumoral de células de defesa.
O câncer é uma área da Medicina que se concentra um dos maiores volumes de estudo. Para se ter uma ideia, vale lembrar que de 2012 a 2014 houve mais de 300.000 publicações científicas sobre a doença. Uma área de pesquisa que começa a apresentar resultados positivos é o conhecimento de alterações genéticas ligadas ao câncer. Um exemplo prático e importantíssimo é o desenvolvimento de drogas-alvo para o tratamento da leucemia mieloide crônica, depois da descoberta de uma alteração cromossômica específica: o cromossomo Philadelphia, cuja origem é uma troca de material genético entre dois cromossomos.
Outras pesquisas tentam encontrar mecanismos de correção das aberrações genéticas nas doenças em que tais alterações podem ser identificadas. O conhecimento de genes presentes em diferentes gerações de mesmas famílias e que determinam o aparecimento de neoplasias nos portadores, é importante na prevenção e diagnóstico precoce dos tumores. É o caso de alguns tumores de mama, cólon e de ovário, para citar exemplos de tais situações, em que a identificação precoce do problema e o tratamento preventivo trazem resultados promissores.
Tão importante quanto o conhecimento do diagnóstico e tratamento do câncer é a prevenção, que deveria até fazer parte do currículo escolar. A alimentação, o fumo e a exposição exagerada e errônea ao sol são exemplos de fatores que devem merecer a atenção de pais e educadores. De um modo geral, tanto a escola como a família, se preocupam muito com doenças infecciosas e parasitárias: preocupam-se com hábitos higiênicos para sua prevenção, cuidam da vacinação preventiva de doenças comuns na infância, o que é uma iniciativa da maior importância, mas esquecem que a exposição a fatores ambientais e hábitos até considerados inocentes, podem trazer perigo de enfermidades graves, como o câncer.
O câncer de colo uterino pode ser prevenido pela vacinação contra o HPV, o que deve ser rotina para adolescentes. Esses devem também receber orientação com relação a doenças sexualmente transmissíveis, como AIDS, que pode ser responsável por algumas formas de câncer, como linfomas e sarcoma de Kaposi. Estima-se que até 90% de tumores malignos podem estar ligados à exposição a fatores ambientais. O tabagismo pode ser responsável por 30% das neoplasias, principalmente de pulmão, mas não devemos esquecer-nos dos tumores de mama, bexiga, estômago, rim e laringe.
Campanhas contra o hábito de fumar devem fazer parte obrigatória do ensino, principalmente para evitar que crianças e adolescentes o adquiram. A obesidade é outro fator esquecido ou ignorado por grande parte da população, mas que pode estar ligada a tumores, como de mama, por exemplo. Alguns agentes podem ser apontados como causa isolada de neoplasias, como a bactéria Helicobacter pylori, considerado um provável agente causador do câncer de estômago. Preocupação também existe com relação ao papel de poluentes ambientais, defensivos agrícolas e conservantes alimentares, como potenciais agentes oncogênicos.
De um modo geral, a classe médica e, em especial, os oncologistas aceitam como práticas preventivas do câncer: abolição do tabagismo e alcoolismo, alimentação saudável com variedade de frutas e verduras, atividade física regular e conhecimento do histórico familiar. A exposição exagerada e muito prolongada ao sol também deve ser banida. Deve-se lembrar, contudo, que a exposição moderada ao sol é salutar e necessária para a síntese de vitamina D, essencial para o metabolismo do cálcio e manutenção da saúde óssea. A deficiência de vitamina D tem sido apontada como um fator de risco para alguns tumores, inclusive de mama. Também é recomendado que mulheres se submetam à mamografia anual a partir dos 40 anos e exame citológico vaginal (Papanicolaou) anual a partir dos 60.
Para homens, a recomendação mais comum é a dosagem do PSA e toque retal anualmente a partir dos 50 anos. É provável que essas boas práticas preventivas possam evitar 1/3 dos casos de câncer.
* Dr. Valdir de Paula Furtuado é médico formado pela Universidade Federal do Paraná, com pós-graduação pela American College of Physicians e Fundação W. K. Kellogg, nos Estados Unidos. É especialista em Patologia Clínica, Hematologia, Clínica Médica e Cancerologia. É também professor aposentado da UFPR, membro do American College Of Physicians e da Academia Paranaense de Medicina.